A história do Cruzeiro Esporte Clube, antes conhecido como Palestra Itália, é marcada por uma resistência singular que se desenrolou no contexto de um cenário mundial tumultuado. A transformação de Palestra Itália em Cruzeiro foi profundamente influenciada por eventos globais e pelas políticas nacionais no Brasil durante o período da Segunda Guerra Mundial.
A imigração italiana para o Brasil no final do século XIX trouxe milhares de italianos para Minas Gerais, que contribuíram enormemente para a construção da capital, Belo Horizonte. Os italianos estabeleceram uma comunidade vibrante e empreendedora, criando associações e empresas, como a Sociedade Italiana Mutuo Socorro e fábricas como Massas Vilma e Frigorífico Perrella, entre outras. Eles também promoveram a educação e a cultura italianas, criando escolas e instituições culturais que ajudaram a solidificar sua presença em Minas Gerais.
Porém, o início da Primeira Guerra Mundial, em 1914, foi o primeiro grande desafio que os italianos enfrentaram. Durante o conflito, muitos italianos que haviam migrado para o Brasil retornaram à Itália para servir o exército. Isso gerou tensões com a população local, que viam os imigrantes como leais a uma pátria estrangeira, o que também gerou hostilidade em eventos esportivos, especialmente contra o Palestra Itália de São Paulo, precursor do Cruzeiro.
Avançando para os anos 1930 e 1940, o mundo enfrentava a ascensão de regimes totalitários, como o fascismo na Itália de Mussolini e o nazismo na Alemanha de Hitler. Ao mesmo tempo, no Brasil, Getúlio Vargas instaurava o Estado Novo, um regime nacionalista e autoritário que compartilhava algumas características com o fascismo. Em 1937, Vargas iniciou uma campanha de nacionalização, com o objetivo de diminuir a influência estrangeira no país, particularmente nas comunidades de imigrantes.
Essa campanha de nacionalização teve um impacto direto sobre o Palestra Itália. Embora o clube não tivesse vínculos com o fascismo, suas raízes italianas o tornaram alvo das novas políticas de Vargas. Em 1942, no auge da Segunda Guerra Mundial, o Brasil declarou guerra aos países do Eixo (Alemanha, Itália e Japão), e o governo brasileiro impôs uma série de medidas para remover qualquer referência aos países inimigos. Entre essas medidas estava a obrigatoriedade de clubes com nomes estrangeiros mudarem suas denominações.
O Palestra Itália se viu forçado a escolher entre mudar de nome ou encerrar suas atividades. A primeira tentativa de mudança foi para "Palestra Mineiro", mas a crescente pressão e os ataques contra estabelecimentos italianos em Belo Horizonte tornaram evidente que uma mudança mais profunda era necessária. Na reunião decisiva de 7 de outubro de 1942, o Conselho Deliberativo do clube rejeitou o nome sugerido pelo presidente da época, "Ypiranga", e optou pelo nome Cruzeiro Esporte Clube, em homenagem à constelação Cruzeiro do Sul, símbolo nacional do Brasil.
Essa mudança não foi fácil. O Palestra Itália enfrentou resistência interna, violência externa e um ambiente de grande hostilidade contra italianos. O clube foi perseguido e seus bens quase destruídos, mas, através de uma união entre conselheiros, torcedores e jogadores, o clube sobreviveu e prosperou, tornando-se o Cruzeiro, uma potência esportiva de Minas Gerais.
A história do Cruzeiro é, portanto, um exemplo notável de resiliência em tempos de adversidade. A transformação do Palestra Itália em Cruzeiro é um tributo à capacidade de adaptação do clube e à sua determinação em sobreviver, mesmo quando o cenário global e as pressões internas ameaçavam sua existência.